O
Inverno nunca mais acaba, parece durar há uma eternidade. Já passaram mais de
dois anos, desde que cheguei à Frente Ocidental, às trincheiras.
Por vezes, por breves instantes, sonho com os campos
floridos da minha aldeia, com os raios de sol e com o arco-íris. (Prof. Isabel Sampaio)
Gostaria de andar a correr pelas
ruas, sem destino… Andar de manga curta, de calções…
(Sónia Neves)
Chamo-me Hans von Richthofen,
tenho 35 anos. O meu pai combateu na guerra
Franco- Prussiana e por isso, desde pequeno que ouvi falar sobre guerra, em
casa. Apesar do meu nome, nada tenho a ver com o Barão Vermelho.
Desde que aqui cheguei, não penso noutra
coisa senão voltar para casa. Nós, alemães, estamos a ficar em desvantagem em
relação às tropas inimigas. Pouco temos para comer.
As condições nas trincheiras são
horríveis. Quando chove, temos que dormir com os uniformes encharcados. Quase
que não há água potável. Há lama por todo o lado. Os charcos chegam a ser tão
fundos que quase que temos de os atravessar a nado. Algumas
pessoas morrem de frio. As doenças espalham-se com facilidade.
Ontem, fomos atacados pelos franceses.
Morreram cinco pessoas, incluindo dois dos meus amigos de infância: Klaus e
Albert. Um novato ficou ferido. Teremos de aguardar pela noite para o ir buscar.
Provavelmente será tarde de mais para ele.
A nossa sorte foi a superioridade
numérica naquele momento.
É horrível
ver todas aquelas pessoas a tropeçarem e a
ficarem enrodilhadas nos arames farpados. Quanto mais se debatem, mais doloroso
é. Outras vezes, os mais inexperientes, pisam
as minas acabadas de ser colocadas por eles próprios. Parece absurdo, mas é
verdade.
O meu sobrinho, Franz, estava na Frente
Leste. Não sei notícias dele, há 3 meses. Talvez já
esteja morto…(Saveliy Ivanov)
Durante as noites, por vezes encosto-me
a sonhar com aquilo que me faz viver… a minha família, os meus amigos, a minha
esposa, mas principalmente com o grande amor da minha vida, a minha filha
Ângela. É com ela que sonho, com as nossas brincadeiras nos campos verdejantes,
com as histórias que lhe contava para adormecer…
Estamos a planear uma emboscada, com o
objetivo de liquidar o general Petain, responsável pelo batalhão inimigo, que
já se encontra perto… demasiado perto…
Pensamos atacar daqui a três dias. Fui escolhido
para integrar o grupo que vai fazer a emboscada, por ser um dos melhores
atiradores do meu batalhão.
Caso a emboscada tenha sucesso,
prometeram-me que terei licença para voltar a casa. Mas isso, também tinha sido
prometido a um dos soldados do meu
batalhão, que, quando fomos atacados ontem, foi um verdadeiro herói, uma vez
que salvou sozinho mais de metade dos nossos soldados e o comandante da nossa
frente não o dispensou como prometera. Ele ficou revoltado e suicidou-se.
Até à hora da emboscada, eu e quinze
elementos estamos dispensados dos nossos deveres para treinarmos para o ataque
numa aldeia, aqui próxima, desabitada. Lá irei preparar-me o melhor possível,
pois acredito no sucesso da missão e consequentemente no meu regresso a casa. (Ricardo Silva)
Apesar das promessas feitas, estou com
poucas esperanças de regressar a casa.
Através dos nossos espiões, recebemos a
informação de que tropas inimigas, lideradas pelo general Petain, irão passar
nesta região mais cedo do que esperávamos.
Tivemos de alterar os nossos planos. Eles
irão passar a cerca de 15 Km deste local, daqui a dois dias.
Tem que ser esta noite! Convenci seis
companheiros e saímos do acampamento para o capturarmos. (Marcelo Ribeiro)
As coisas não correram como
eu pensava, estou preso. Mas, pelo menos os meus companheiros conseguiram
escapar.
Eram cerca das 2 da manhã,
estava escuro como breu. Aproximei-me da casa, onde deveria estar o general.
Não via qualquer guarda, o que achei estranho, mas queria tanto uma licença
para ir a casa, que fui imprudente, esqueci as regras e precauções militares. Subi
para o telhado e tentei entrar por uma janela que dava acesso ao sótão. Vi um
vulto enorme, uma sombra que parecia gigante, virei-me e era apenas um gato
preto que começou a miar repetidamente. Escorreguei, fazendo algum barulho. De
repente, vários holofotes incidiram sobre o telhado. Tentei escapar mas estava
cercado. Os soldados franceses tinham-me capturado e apontavam-me armas
gritando qualquer coisa que eu não entendia, mas pelos gestos exigiam claramente que descesse, de braços no ar e me entregasse. Maldito
gato! Malditos franceses! O que me irá agora acontecer…
(Luís Fonseca)
Já é o quinto dia que estou preso. Cada
dia parece ser uma semana e, à medida que os dias passam, penso que não irei
conseguir sair desta maldita masmorra.
Eles estão tão preocupados que até
arranjaram um tradutor para me interrogarem. Devem pensar que o nosso batalhão
me virá resgatar. Cada vez tenho menos esperança, receio que utilizem a tortura
para me fazerem falar. Se me vierem buscar, e isso é improvável num cenário de
guerra, pode já ser tarde e não sei se resistirei à tortura, que deve ser muito
dolorosa. Também nós, homens com treino militar, nos sentimos por vezes
fragilizados. Aqui fechado, dou por mim a pensar nos campos verdejantes, com a
minha querida esposa e a minha linda filha. As saudades vão-me matar antes dos
franceses!...
Penso cada vez mais no dia em que
poderei daqui sair e ir para casa, ver a família e os amigos. Alguns também
vieram para a guerra. Não sei se ainda estarão vivos e onde estão.
Nunca fui um homem de muita fé, mas
agora penso em Deus e espero que ele me dê forças para conseguir aguentar o
tempo que for preciso. Tenho que resistir! (João
Pedro Madeira)
No dia 11 de Novembro de 1918, um
oficial francês foi-me visitar à cela. Disse-me que a guerra tinha chegado ao
fim e que em breve seria um homem livre.
A Alemanha tinha capitulado. Os aliados
eram os grandes vencedores. Mas, haverá numa guerra, vencedores e vencidos?
Não, parece-me que somos todos vencidos.
Antes de sair, o oficial perguntou-me
se era familiar do “Barão vermelho.” Nunca antes lhe tinha respondido às
questões que me colocara durante os interrogatórios. Mas agora disse-lhe que
não, mas que gostaria de o ter conhecido, uma vez que o admirava por este ter
sido um piloto alemão notável. Nesta altura já sabia que o barão Manfred von
Richthofen tinha morrido em 21 de Abril de 1918.(
Prof. Isabel Sampaio)
Finalmente estou livre… Agora tenho de
aproveitar. Quero voltar a estar com as pessoas de quem gosto. Continuar a
fazer o que antes fazia, contar histórias à minha filha, passear pelos campos
verdejantes…
Tudo me parece diferente, parece outro
mundo…
Lá dentro, na prisão, estava num mundo
escuro, onde já não tinha esperança. Agora que já sou um homem livre, tenho esperança
e alegria, apesar da destruição causada pela guerra.
Esta Alemanha já não é a que conheci.
Durante a viagem de comboio, para regressar a casa, vou olhando pela janela. Vejo
muitas cidades arrasadas.
Estou a chegar a casa, já avisto os
campos, não tão verdejantes como os das minhas memórias, mas o espaço grande e
belo lá está e o velho ribeiro também.
O comboio parou. Procuro com o olhar a
minha família e os amigos. (Joana Marques )
Lá estão eles, olhando fixamente para
mim, com lágrimas a encherem-lhes os olhos: a minha mulher, a minha filha, o
meu pai e, para minha admiração, Franz, imóvel, a olhar para mim. Corro para
eles, abrindo os braços. Começo a chorar também. É inexplicável o que uma
pessoa sente, depois de tantos anos sem ver a família. Foi ela que, muitas vezes, me deu força para continuar a lutar.
Chegámos junto à casa. Por fora, tinha
um ar rústico, com trepadeiras a decorar as paredes, mas, por dentro, era feita
maioritariamente de madeira, com os móveis cuidadosamente trabalhados à mão, lanternas
a gás e quadros dos meus trisavós. Alguém desconhecido, que aqui entrasse, diria
que éramos ricos, mas tal não é verdade.
Sento-me numa cadeira e ficamos a olhar
uns para os outros, num silêncio profundo, como se estivéssemos fora dos nossos
próprios corpos. Foi o meu sobrinho que quebrou o silêncio, dizendo que nunca
deixou de pensar no seu tio favorito, quando esteve na Rússia. Essas palavras
levaram-me a sorrir, mas por pouco tempo. Contou que o inverno tinha sido muito
rigoroso e que foram pouco a pouco forçados a retirar. Quando tentavam arranjar
casas para passar a noite, as pessoas
preferiam queimá-las, a ajudá-los.
A divisão do Franz tinha sido
massacrada. Os oficiais foram todos mortos e só restaram 4 das 23 pessoas que
compunham o batalhão. Um dos seus companheiros sabia um pouco de russo e, uma
noite, os 4 tiraram a farda, vestiram roupas
de uns cadáveres e apanharam
boleia de um camião de transporte de
comida. Já no meio do nada, atacaram o motorista e seguiram em direção à
Alemanha, por estradas de terra e por florestas, pois não podiam arriscar serem
vistos. Uma história impressionante, assim como a sua vontade de viver.
Vou
começar a trabalhar com o meu pai, um homem sério, um excelente carpinteiro,
que fez a maior parte dos móveis da nossa casa. Há muito trabalho. As casas da
nossa aldeia precisam de ser reconstruídas, uma vez que esta foi destruída pelos
bombardeamentos.
Meses depois, nasceu o meu segundo
filho, Herman. A minha mulher está
contentíssima. Quero ver crescer os meus filhos. Somos uma família perfeita e estamos
felizes. Mas, às vezes, tenho pesadelos. As imagens da destruição e da morte
não desaparecem da minha mente, talvez um dia … (Saveliy
Ivanov)